Por Delton Hochstedler – Coordenador Técnico da Associação Brasileira Beneficente Aslan.
“Deus esqueceu de mim!”
Olhei nos olhos do jovem adolescente na minha frente e respirei duas vezes antes de dar minha resposta. Ele já estava há quatro anos morando em nossa casa lar, além dos três anos vividos em outros abrigos e na rua. Apesar de sua experiência única, sua voz representava um grito comum de outras 35 mil crianças e adolescentes em acolhimento institucional no Brasil.
Reconheci a dor por trás de sua afirmação. Ele viveu a experiência de abandono, totalmente oposta ao plano de Deus. Algo dentro de nós se revolta ao tomarmos conhecimento de uma situação como essa. É um sentimento que ecoa das palavras do profeta Isaías na Bíblia: “Será que uma mãe pode esquecer do seu bebê que ainda mama e não ter compaixão do filho que gerou?” (Is 49:15).
Sabemos da importância e da profundidade do amor de uma mãe. Nos registros de certidão de nascimento das crianças que passam pelos lares de acolhimento em nosso País, é comum a ausência do nome do pai. Apesar desse fato, que pode causar um rombo na vida dos filhos, os registros sempre trazem o nome da mãe. É ela quem gera o filho em seu próprio ventre e está fisicamente presente no momento do parto. Sua presença cria um profundo vínculo emocional com seu filho. A presença de uma mãe é, portanto, de importância vital no desenvolvimento infantil, fato este comprovado por pesquisas científicas, que revelam o que sempre soubemos intuitivamente. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), vínculo é tão profundo que crianças acolhidas em abrigos antes dos dois anos de idade, apresentam perdas em seu desenvolvimento neurológico, que correspondem a quatro meses de atraso, para cada ano vivido em acolhimento institucional.
Entretanto, na continuação das palavras de Isaías pude embasar minha resposta à dor do adolescente diante de mim, pois ao reconhecer o amor de uma mãe e atestar sua incapacidade de abandonar, Deus prova quão grande é Seu amor, dizendo: “Embora ela possa se esquecer, Eu não Me esquecerei de você!”
Trabalhando há mais de 18 anos com crianças e adolescentes em situação de abandono e vulnerabilidade social, posso testemunhar a veracidade dessas palavras. Deus não Se esqueceu do adolescente que veio falar comigo, assim como Ele não Se esqueceu de todas as outras crianças e adolescentes na mesma situação.
O amor de Deus gera um sentimento de pertencimento, conforme as palavras em continuação do versículo: “Veja, Eu gravei você nas palmas das Minhas mãos” (v.16). Em seguida, Isaías destaca o conceito de proteção, ao dizer: “Seus muros estão sempre diante de mim” (v.16). Muros, no Antigo Testamento, eram construídos para proteção das cidades e das pessoas que nelas habitavam. Isso requeria cuidado constante para garantir a segurança. E é exatamente o sentimento de pertencimento, mais a garantia de proteção, que podem preencher o vazio revelado nas palavras daquele adolescente em busca de segurança. Novamente eu o fiz lembrar dessa verdade e o encorajei a esperar em Deus para receber a resposta Dele.
Você já imaginou que pode ser uma resposta de Deus em situações como essa? Nós, como cristãos, conhecendo o amor de Deus e tendo experimentado o que é pertencer e ser protegido, podemos ser a resposta para os adolescentes como esse, transformando suas próprias histórias! Quando alguém que conhece a Deus responde ao choro de uma criança ou adolescente em situação de abandono, se torna instrumento do grande amor de Deus. É através de nossa vida, nosso lar e nossa família que podemos responder a esse adolescente e a tantos outros: “Deus não Se esqueceu de você”.